quinta-feira, 7 de maio de 2009




Tecnologia e ludicidade



Por Marlucio Luna



A entrada das tecnologias digitais na escola, principalmente aquelas ligadas à ludicidade, abre perspectivas inovadoras para educadores e alunos. Crianças e adolescentes deixam a condição de meros consumidores e assumem o papel de produtores de mídia, (re)criando linguagens e amplificando as possibilidades de expressão. Um exemplo da nova realidade é o estudante paulista que traduziu o livro Memória póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, para a escrita abreviada das mensagens de texto enviadas pelos telefones celulares. As mudanças ocorrem na velocidade da internet. Certezas e verdades caem por terra. Os games, acusados em um passado recente de estimular a violência e afetar a concentração dos jovens, foram absolvidos por vários cientistas. Estudos apontam que os jogos eletrônicos estimulam o córtex cerebral e melhoram o controle motor de garotos e garotas. Os debatedores Lynn Alves, Maria Tereza Freitas e Fernando Mozart destacam a necessidade de o educador abandonar preconceitos e encarar a tecnologia como elemento importante em seu trabalho.

A polêmica

O terceiro milênio começou sob o impacto da rapidez com que ocorrem os avanços tecnológicos. Sites, blogs, fotologs, games, softwares de comunicação instantânea e telefones celulares com câmeras digitais (foto e vídeo) e computadores (menores e mais potentes) são instrumentos cada vez mais utilizados por jovens de todas as idades. Essa nova realidade deu a crianças e adolescentes o poder de ir além do consumo passivo de produtos e serviços; transformou-os em autores em potencial.
As crianças e os adolescentes de hoje fazem parte da primeira geração imersa quase que totalmente na tecnologia. Namoros começam e terminam na web; a comunicação com os amigos ocorre através de programas como o Messenger ou o ICQ; sites de relacionamento — o Orkut é o maior deles — ajudam a criar grupos com interesses comuns; as pesquisas escolares estão ao alcance do mouse; as músicas e os filmes favoritos podem ser trocados pela internet; e até mesmo games podem ser jogados on-line, com cada um dos participantes em seu quarto. Tudo pode ser feito no computador.
Os pais se assustam com o poder de atração que as tecnologias exercem sobre os filhos. Ainda que, em muitos casos, sejam usuários da internet e tenham brincado na infância com os “avós” dos games de hoje, os responsáveis temem que a oferta excessiva de ferramentas tecnológicas afete a preparação de crianças e adolescentes para a vida adulta — principalmente no que se refere à educação.
A psicologia e a neurociência trazem boas notícias para pais e educadores preocupados com os efeitos da tecnologia no que diz respeito ao desenvolvimento de crianças e adolescentes. Pesquisas apontam que computadores, videogames, filmes e programas de TV com conteúdo adequado estimulam a seleção de informação, a capacidade de dedução e a lógica. Steven Johnson, autor do livro Surpreendente!: a televisão e o videogame nos tornam mais inteligentes, explica que diversões complexas desenvolvem a capacidade cognitiva, fazendo com que os jovens exercitem suas capacidades cerebrais com maior intensidade. Isso, segundo Johnson, as torna mais inteligentes.
Johnson destaca que, embora o conteúdo dos livros seja muito superior à da maioria dos produtos de entretenimento, os games têm um papel importante: seriam uma espécie de “ginástica” para o cérebro.
A teoria de Johnson encontra defensores em várias áreas. Neuropsicólogo do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, Daniel Fuentes crê que haja relação direta entre a evolução do QI médio nas últimas décadas em vários países e o crescente uso da tecnologia:
“Com o avanço da tecnologia e dos meios de comunicação nas últimas décadas, a carga de informação e a diversidade de estímulos aumentaram muito, o que vem tornando os jovens mais inteligentes.” (SOUZA) Nos Estados Unidos, o National Institute of Mental Health realizou uma pesquisa (resumo da pesquisa disponível em www.nimh.nih.gov/press/prbrainmaturing.cfm) em que foi constatada a capacidade de o cérebro se desenvolver durante toda a vida — e não só até os 12 anos, como se imaginava. O estudo revela que as mais profundas transformações na estrutura cerebral ocorrem até os 25 anos. O cientista Jay Giedd, coordenador da pesquisa, monitorou durante 13 anos, com o auxílio de exames de ressonância magnética, o cérebro de 1.800 jovens. As transformações por que passa a estrutura cerebral dos adolescentes são fruto da ação dos hormônios e da relação entre as massas branca e cinza do cérebro. Entre as conclusões de Giedd, uma chama a atenção: crianças e adolescentes que jogam games registraram aumento do córtex e melhora da coordenação motora.
Uma outra pesquisa (relatório da pesquisa disponível em www.bcs.rochester.edu/people/daphne/visual.html#video), esta realizada pela neurocientista Daphne Bavelier, da Universidade de Rochester, revelou outros aspectos positivos dos games. O estudo mostrou que jogadores habituais desenvolvem de forma mais acentuada a capacidade visual, a noção espacial e a coordenação motora. Caminho semelhante ao de Bavelier foi trilhado pelo professor da Universidade de Temple, na Philadelphia, Laurence Steinberg, que coordenou uma pesquisa sobre neuroplasticidade. Os dados indicaram que os estímulos dos jogos eletrônicos têm influência decisiva na organização neurológica. Steinberg enumera os principais benefícios:
“Atividades praticadas repetidamente estimulam mudanças no cérebro. Dependendo do jogo, há melhora na coordenação motora, na memória e nos reflexos." (MARTINS) Testes apontam que em algumas áreas o fato de ter brincado com games na adolescência tornou os jovens mais hábeis na vida profissional adulta. Os médicos que realizam cirurgia de videolaparoscopia com mais agilidade e precisão foram adolescentes que tinham familiaridade com games. Pilotos de avião também se enquadram nesse perfil. No caso da aviação comercial, os games chegaram a tal nível de sofisticação que já são usados no treinamento oferecido pelas empresas aéreas a seus comandantes e também por escolas de formação de pilotos. (NENO) Professor da Universidade de Wisconsin e autor do livro What video games have to teach us about learning and literacy, James Paul Gee reforça a corrente dos defensores dos games. Para ele, o jogo segue uma lógica semelhante àquela adotada pelos cientistas: construir uma hipótese, testá-la, refletir sobre os resultados, testá-la novamente e obter resultados melhores. Gee destaca que os games ensinam às crianças e aos adolescentes como traçar relações entre os fatos, não pensando neles como eventos isolados.
Os games representam apenas uma das várias vertentes da tecnologia no cotidiano de crianças e adolescentes. A internet, com suas múltiplas potencialidades, abriu espaço para que os jovens (re)criassem formas de expressão. A escrita calcada em abreviações e “transformações” de palavras — muito utilizada na comunicação instantânea (via ICQ, Messenger e softwares similares) — traz em si a rapidez dos dias atuais e, simultaneamente, resgata uma prática dos tempos da comunicação por telégrafo. Futuro e passado se mesclam.
Nessa forma de comunicação escrita usada por jovens não aparecem letras maiúsculas, pois há economia de toques no teclado por não se acionar a tecla “shift”. Nomes próprios, pronomes, substantivos, enfim, qualquer palavra pode ser encurtada. Vogais são suprimidas e o “k” substitui “ca” e “q” assume o lugar do “que”.
Na comunicação por telégrafo, o acento agudo era substituído pela letra “h”. A comunicação instantânea recupera essa prática. Cabe lembrar que o mesmo artifício foi utilizado nos primórdios da troca de mensagens pela internet. Como os equipamentos e programas eram importados, teclados e softwares de texto não previam o uso de acentos, pois eram produzidos originalmente para a língua inglesa — e, mais uma vez, o “h” cumpria tal papel.
Do teclado dos microcomputadores, a comunicação instantânea saltou para os visores dos telefones celulares sob a forma de “torpedos” — mensagens de texto transmitidas e recebidas pelos aparelhos. A falta de praticidade do teclado dos celulares gerou novas “artimanhas” para se ganhar tempo na digitação das mensagens. Um exemplo é a palavra “não”. No computador, sua grafia correta exige o acionamento de quatro teclas. No celular, são 11 os toques no teclado. O “naum” pode ser escrito com seis toques e reproduz a sonoridade da palavra. Uma solução prática e criativa.
O que surgiu apenas como uma forma peculiar de comunicação entre jovens começa a ter novas utilizações. O estudante paulista Fernando Monteiro, de 20 anos, “traduziu” o livro Memória póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, para a linguagem abreviada do celular. Durante duas semanas, Fernando se dedicou a colocar um dos maiores clássicos da literatura brasileira sob o formato ddonês. O termo ddonês foi criado pelo próprio Fernando Monteiro para essa variação da escrita usada nos textos enviados por e para telefones celulares. Nota-se que o nome deriva da palavra “dedo”, que na linguagem dos torpedos é grafada “ddo”.
A tradução foi publicada no blog de Fernando, disponível na URL http://brascubas.moblog.vivo.com.br/. Na apresentação do blog, o estudante explica os motivos que o levaram a reescrever o livro:
“Meu nome é Fernando e este monoblog é um trabalho experimental. Quero mostrar que fui a primeira pessoa do mundo a digitar um livro inteiro no teclado do celular, usando uma nova maneira de escrever.”
A obra é apresentada da seguinte forma no blog: “Memrias postmas de bras cubas” (Maxado d Acis) — disponível na URL http://brascubas.moblog.vivo.com.br/v1/post.aspx?ip=157922. Em um dos posts do blog, o estudante conta que uma editora o procurou para publicar a versão impressa da tradução. Entre os 65 comentários do post, apenas cinco (7,6%) elogiaram a iniciativa do estudante.
Fernando ressalta que sua tradução não tem características de um resumo e que apenas utiliza palavras mais curtas. Ele compara a tradução com a exibição de um filme em alta velocidade:
“Eu não gosto de ver o trailler, quero ver o filme inteiro. Agora, se posso ver o filme inteiro no modo forward e consigo entendê-lo, economizo um tempão e pego todas as idéias.” (BEGUOCI)
Entre os educadores, a escrita abreviada divide opiniões. Alguns a consideram uma ameaça que pode comprometer a capacidade de expressão dos jovens no futuro. Uma outra corrente acredita que a escrita abreviada é criativa e lúdica, estabelecendo códigos próprios da era digital.

Escrita teclada: uma nova forma de escrever?

A professora Maria Tereza Freitas, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), pesquisou durante quatro anos o uso da escrita teclada por adolescentes em e-mails e chats. Nestes, as conversas giravam em torno da temática jovem e abordavam, em sua maioria, questões relativas à sexualidade, ao entretenimento e às relações sociais. Já os e-mails mencionavam preocupações com a estética e a identificação dos jovens com personagens das histórias de RPG. Segundo ela, os personagens levam o adolescente a refletir sobre sua própria vida e sobre valores éticos.
A pesquisa mostrou que chats e e-mails representam espaços lúdicos e de construção da subjetividade do jovem — algo como os antigos diários escritos em cadernos. Assim, a internet levaria o adolescente a ler mais e a escrever de forma criativa, lúdica, prazerosa e interativa. “A escrita abreviada usada pelos adolescentes em chats e e-mails segue a lógica do teclado, do suporte. Ela constrói novos códigos, novas palavras, seguindo a oralidade”, destaca Maria Tereza. Aos críticos da escrita teclada, a educadora lembra que os usuários reconhecem que a linguagem é exclusiva da internet e não a transpõem para a escola.
Outro aspecto mencionado pela educadora diz respeito à utilização do teclado para a expressar entonações. Símbolos como :-) (alegre), :-( (triste), :-D (rindo do interlocutor) e -) (sorrindo de óculos escuros) — os emoticons — foram criados para quebrar a frieza dos textos, economizar tempo e humanizar as conversas.
A pesquisa mostrou que o envolvimento dos jovens com a internet se dá por etapas. Em um primeiro momento, o da descoberta, a web surpreende e encanta. No estágio seguinte, ela atrai o jovem para o papel de usuário de ferramentas como chats e e-mails. A partir daí, muitos buscam a criação de seus próprios sites — tarefa lúdica, que requer leitura técnica e uso da escrita (na formatação e na produção de conteúdo). Nesse processo, o adolescente se aproxima de outros suportes, como livros, revistas e jornais.
O processo de construção dos sites, destaca Maria Tereza, é artesanal, coletivo e ocorre pela troca de experiências. O recurso “recorta/cola” se torna um aliado fundamental para a estruturação das páginas na web. Orientações, dicas e comandos de programação são repassados para que o amigo virtual consiga colocar seu site no ar. Ao mesmo tempo em que o adolescente se reconhece como autor daquele produto de mídia, ele também percebe que a autoria foi diluída ao longo de um processo de troca de informações.
Nos sites ou blogs, os jovens expõem intimidades, abordando temas específicos — bandas, músicas, literatura e interesses característicos dessa etapa da vida. Seus interlocutores/leitores são outros jovens. A leitura se transmuta em escrita, pois os blogs têm áreas para comentários. Assim, a escrita se inscreve em textos anteriores, alterando e reconstruindo coletivamente o texto original.
Maria Tereza destaca ainda as novas formas de interação social geradas pela web. Os encontros virtuais com o outro são mediados pela escrita. Com isso, surgem novas práticas de sociabilidade: amigos íntimos se identificam por nicks (apelidos na internet), conhecem segredos íntimos uns dos outros, porém muitas vezes jamais se encontraram. As interações sociais no mundo virtual são simbólicas. A educadora lembra que as tecnologias sempre provocaram alterações profundas no modo de viver e que tal característica não é exclusiva da internet.
Uma das principais contribuições da web, na opinião de Maria Tereza, foi o surgimento do hipertexto, recurso de navegação por meio do qual o internauta “percorre” diversos textos que se conectam. É o leitor quem determina a versão final de seu roteiro de leitura, em um processo multilinear que propicia a interlocução. “Será que a escola conhece a riqueza dessa linguagem?”, pergunta.

Jogos eletrônicos

Por que os jovens têm tanto interesse pelos games? Por que os educadores resistem tanto às novas tecnologias? Estas indagações levaram a professora Lynn Alves, da Universidade do Estado da Bahia, a pesquisar o mundo dos jogos eletrônicos. Ela passou a freqüentar lan houses, participar de listas de discussão e navegar por portais e sites especializados.
Os games apresentam características como a cultura da simulação, as ações simultâneas, a linguagem icônica e a interatividade. Os jovens desempenham os papéis de atores e autores do processo. Além disso, estimulam a interação social, através de comunidades virtuais e troca de mensagens.
A cultura da simulação inerente aos games encontrou na internet — e sua realidade virtual — o espaço perfeito para disseminação. A partir de chats, jogos eletrônicos e RPGs, os adolescentes experimentam novas habilidades cognitivas. Os games são espaços de catarse, apontam questões subjetivas de cada sujeito, apresentam desafios e trazem uma riqueza pedagógica pouco explorada pelos educadores. No caso do RPG, surgem ainda novas opções de narrativa.
Para Lynn, a escola ainda não entendeu como é o “aprender” dentro de uma realidade marcada pela tecnologia e se mantém atrelada a um modelo “enfadonho”. A descoberta de um “novo aprender” requer, segundo ela, a predisposição do educador em compreender a linguagem dos alunos.

Animação na escola

O assessor da presidência da MULTIRIO Fernando Mozart apresentou trabalhos com animação em linguagem flash desenvolvidos para o site do programa Século XX1 e a experiência da professora Amália Maria Mattos de Araújo, do Ciep Presidente Agostinho Neto (2ª CRE) — que, juntamente com os alunos, realizou o filme Ser criança, utilizando a técnica stop motion. Técnica de animação na qual a filmagem de bonecos ou objetos é realizada quadro a quadro, cena a cena, cada vez com um movimento ligeiramente diferente. A seguir, o filme é rodado com 24 quadros por segundo e cria, para quem assiste à animação, a ilusão de que a imagem se move.
Nas oficinas de animação organizadas pela MULTIRIO, os professores da Rede Municipal aprendem a utilizar softwares de animação (Webpainter, Pivot e Draw SWFi) para o desenvolvimento de atividades com os alunos. O objetivo é estimular a criatividade e a ludicidade de crianças e adolescentes.

Referências bibliográficas:-

BEGUOCI, Leonardo. Estudante traduz “Brás Cubas” para o celular. Folha de São Paulo, São Paulo, 18 jan. 2006.- MARTINS, Marília & CLÉBICAR, Tatiana. No mundo dos games. Revista O Globo, Rio de Janeiro, 22 ago. 2004.- NENO, Mylene. Mas que navegar, que nada! Jornal O Dia. Rio de Janeiro. 1 fev. 2004. Reportagem disponível em odia.terra.com.br/tecnologia/htm/geral_21158.asp.- SOUZA, Okly de & Zakabi, Rosana. Imersos na Tecnologia — e mais espertos. Revista Veja, São Paulo, 11 jan. 2005._________________________________________________________Marlúcio Luna é jornalista e editor de conteúdo do Site Século XX1, da MULTIRIO.




Um comentário:

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